Uns observam nuvens. Outros defendem os apóstrofos. Alguns amontoam garrafas de leite em casa. Cones rodoviários. Agrafadores. Há os que são completamente obcecados por rotundas. Até organizam visitas que duram um dia inteiro. E os que viajam para ir ver “aquela” caixa de correio?
A vida não tem o mesmo ritmo para quem é chato. E eles são chatos. Muitos chatos. Com todo o prazer. Gostam de o ser e garantem que nada no mundo os vai fazer mudar. Porque tudo o resto é mesmo um tédio.
Realização: Andy Oxley
Fotografia: Joshua Gaunt
Produção: Grover Click, Fiona Flicker
Montagem: Andy Oxley, Joshua Gaunt
Som: Andrex Clanfield
Música: Chris Reed
Tradução: Nuno Prudêncio, Gabriel Vilaça
Entrevista
Andy Oxley Diretor
“Queria que fizesse lembrar
um postal, um tanto idílico.”
- Como é que tudo começou?
Andava a fazer pesquisas sobre passatempos masculinos, já há algum tempo que pensava em fazer um filme sobre isso. Acabei por descobrir o Clube do Tédio num artigo online. Enviei um email a Leland Carlson (vice presidente adjunto) e, cinco minutos depois, respondeu-me dos Estados Unidos e estivemos a falar uma hora ao telefone, a conversar. Como a maioria dos homens entediantes, ele fala muito. Até pensava que a chamada nunca mais ia acabar.
- Como é que correram as filmagens?
O maior desafio foi tentar fazer tudo enquanto havia sol, algo bastante ambicioso para um filme britânico. Apesar de sermos uma equipa bastante pequena (eu, o diretor de fotografia e, às vezes, a minha mulher com o refletor), foi stressante organizar tudo. Por vezes, tivemos que adiar as filmagens por uns dias por causa do mau tempo. Havia vezes em que parávamos as filmagens a meio das entrevistas, à espera que o sol voltasse quando este se escondia atrás das nuvens.
Queria que fizesse lembrar um postal, um tanto idílico: uma Inglaterra no estilo de Martin Parr. Tivemos bastante sorte no geral, mas deixámos a entrevista com o colecionador de tijolos para setembro, e não tivemos escolha senão filmar com o tempo mais cinzento e chuvoso. Além disso, estávamos no norte. Não podemos esperar milagres.
- No seu filme, brinca com uma versão muito estereotípica dos ingleses.
Como descreveria o seu estilo, tanto narrativo como visual?
Na maioria dos meus filmes tento criar algo de outro mundo, quase como uma versão fantasiada de Inglaterra. Não sei bem porquê, talvez para testar se as pessoas pensam que é real.
Gosto de “cabeças falantes”. Não acho que seja um estilo na moda, mas acho que se for feito duma maneira interessante, complementando a personagem e o aspeto geral do filme, pode ser algo bom. Estes homens, sentados em sítios mais caricatos a partilhar o mundo deles, como no meio duma rotunda ou ao lado duma caixa postal, é algo interessante para mim. Aprecio a simplicidade, e foi assim que decidi estruturar o filme.
Josh Gaunt, que filmou o filme, ajudou-me muito com o estilo, e decidiu filmar com apenas duas lentes de distância focal fixa: uma grande-angular e uma de 45mm numa câmara micro 4/3. Acho que esta consistência adiciona carácter ao filme.
“É quase como uma mini subcultura, escondida nos barracões de jardim da Grã Bretanha.”
- Que mensagem queria transmitir com esta história?
Acho que queria celebrar a “vulgaridade”. Estes homens fazem as suas coisas sem vergonha nenhuma, normalmente acompanhado de um humor irónico, que foi o que mais me atraiu. Pensam por eles próprios e não querem saber o que os outros pensam deles. Eu admiro isso, e este filme sou eu a apertar-lhes a mão e a dizer “Fico contente por existirem”.
Fazendo uma generalização, deteto que os homens se interessam mais pelas coisas do que as mulheres, e ficam mais propensos a ficarem obcecados com um determinado tema. Não digo que não haja mulheres com hobbies básicos, mas é sem dúvida um traço mais masculino. É quase como uma mini subcultura, escondida nos barracões de jardim da Grã Bretanha. Quis fazer um filme que expandisse esta observação.
- Ainda mantém contato com esses homens?
Por vezes, envio fotos de rotundas ao Kevin, se encontrar uma que ele possa ainda não ter descoberto. Ainda falo com Leland frequentemente e encontramo-nos quando podemos. Ele publicou um livro e também criámos um calendário do Clube do Tédio depois de termos gravado o filme. Ele anda sempre com um projeto na manga. E também adora mandar e-mails, por vezes mandando uns 5 ou 6 de cada vez. Gosta de os usar para pensar em voz alta. De momento, estamos à procura de financiamento para realizarmos uma longa-metragem e espero começarmos uma angariação de fundos em breve.
- Em que se encontra a trabalhar de momento?
Eu e o Josh filmámos outra curta-metragem sobre outro senhor entediante que encontrámos quando estávamos a tirar fotos para o calendário, um “observa-sarjetas” de Cumbria. O seu trabalho é limpar sarjetas e manter as beiras das estradas limpas. No entanto, já estamos a fazer isso há 4 anos, o que é embaraçoso. Ainda não tive tempo para o terminar pois, tal como o Chatos são os Outros, estou a fazê-lo sem financiamento enquanto trabalho como freelancer para pagar as contas.
Temos outra que acabámos de filmar, sobre um arquivador amador que tinha uma coleção de 2500 DVDs e que nunca tinha ouvido falar do YouTube ou do Netflix. Mas, tal como a outra, está em pausa devido à falta de financiamento. Portanto, se houver por aí alguém interessado, ajudem-nos, por favor! (Peço desculpa por usar um ponto de exclamação, os homens entediantes não gostam deles, são demasiado entusiasmantes.)
- Tem algo a dizer sobre a 99 e a legendagem multilinguística do seu filme?
Tem sido fantástico ter a 99 connosco. Traduziram o filme para 5 línguas diferentes, o que é extremamente útil, e tomaram também o papel de distribuidor, levando a cabo acordos com pessoas que queriam usar partes do filme. Fico bastante agradecido por toda a exposição que nos trouxeram. O filme foi considerado Documentário da Semana num programa de televisão francês recentemente, e isso não teria acontecido sem a 99 e as suas legendas.