Antes, os Zapotecas, no sul do México, não distinguiam o masculino do feminino. Tinham uma só palavra para “pessoas”.

Hoje em dia, as Muxes são o reflexo vivo de um ancestral terceiro género.

Realização: Ivan Olita
Fotografia: Luigi Martinucci
Direcção artística : Davide Di Teodoro
Produção: Andre Bato, Paulina Salas, Juan Robles, Michael Matus
Música: JEAN
Som: Gustavo Mora, Jose Velasco
Cor: Roy Sun
Adaptação: Nuno Prudêncio

Entrevista

Ivan Olita | 99.media

Ivan Olita
Diretor

“De um ponto de vista narrativo,
o que me interessa é a intersecção
entre a ficção e a não-ficção.”
  • Como é que este projeto nasceu?

 

Eu estava a assistir a um seminário com o Werner Herzog quando um dos participantes nos mostrou um pequeno trabalho sobre Las Velas, que é um enorme desfile anual de Muxes, em Juchitan, Oaxaca. No final, é sempre eleita uma rainha.

 

Fiquei imediatamente fascinado com estas personagens. Quis saber mais sobre elas. O vídeo só tinha alguns minutos e não aprofundava muito, por isso senti que tinha de descobrir mais. Queria saber mais sobre o dia a dia delas.

 

Durante alguns meses, estive a fazer outras coisas. Depois deparei-me com um artigo sobre elas no New York Times. Apercebi-me que era um sinal para partir à descoberta. Comecei a pré-produção no dia seguinte.

Muxes | 99.media
  • Como é que correram as filmagens?

 

Quando cheguei a Juchitan, não fazia a mínima ideia de como contactar as Muxes. Neste tipo de projetos, a pesquisa pré-produção é bastante limitada. Temos de nos deslocar aos sítios que queremos retratar e começar daí.

 

Uma vez no local, contactei um realizador, Michael Matus, que nos ajudou a produzir o filme. Ele começou a apresentar-nos Muxes. Estou muito agradecido pelo que fez. Ele andava para trás e para frente na cidade. A primeira semana em Juchitan foi só para as conhecer. As casas onde viviam, as famílias, os restaurantes, os mercados onde trabalhavam…

 

Como se trata de um mosaico, tentei encontrar personalidades que se encaixassem. Mas é errado achar que todas as Muxes são iguais. Há uma grande diversidade dentro da comunidade.

 

 

  • O filme é como se fosse um sonho, é delicado e colorido. Qual é aqui a fronteira entre a ficção e a realidade?

 

O Werner Herzog disse-nos que “os factos não são a verdade”. De um ponto de vista narrativo, o que me interessa é a intersecção entre a ficção e a não-ficção. Isso interessa-me mais do que falar de uma verdade, porque a verdade é muitas vezes mais profunda do que os próprios factos. A verdade tem estratos de significado. Para chegar ao público, necessita de um fabrico visual.

 

Como tenho trabalhado na indústria da moda, tenho uma abordagem muito estilizada. Não importa onde estou, nem onde estou a filmar: tenho sempre tendência a ser muito cinemático. Gosto muito do caráter surreal deste trabalho.

Muxes | 99.media
  • O filme mostra-nos vozes fortes, determinadas, otimistas. Até que ponto isto é a realidade?


As Muxes fazem parte da paisagem da cidade: são acarinhadas pelas pessoas e a maior parte das famílias acha que ter um parente Muxe é uma bênção, porque raramente se casam e, muito provavelmente, vão acabar por tomar conta dos idosos. Foi uma revelação incrível ver como 100% da população de Juchitan celebra as Muxes e reconhece-as como uma vantagem. São conscientes de que trazem coisas diferentes. As Muxes são um terceiro género. A sua presença impulsionou uma série de novas normas culturais e sociais. De certa forma, são ícones e celebradas pela originalidade.

Ao mesmo tempo, vivem num contexto social muito mundano e, por vezes, subdesenvolvido. Juchitan é uma localidade pobre. Elas oscilam entre uma existência intocável, poderosa e os problemas quotidianos, às vezes de forma muito dura. Infelizmente, a prostituição continua a ser uma realidade.


  • Como vê a 99 e a legendagem do filme em várias línguas?


Estou muito grato por todo o esforço que pessoas como vocês fazem para apoiar realizadores como eu. Fiquei muito orgulhoso por terem incluído as Muxes na vossa escolha.


A capacidade de dar voz (através das legendas) a filmes (ainda mais aqueles que retratam minorias) é uma ferramenta incrível para que sejam distribuídos e possam circular.


Sem ajudas como a vossa, os realizadores teriam ainda mais dificuldades. Estou muito agradecido, como espero que estejam todos aqueles que tenham a oportunidade de trabalhar com a 99.

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